Não dá para entender, muito menos agüentar, com paciência, essa onda de histerismo provocada pela morte súbita, mas prevista, do astro pop norte-americano Michael Jackson.
Na Bahia, onde o inadmissível acontece, está sendo aventada a possibilidade de ser erguida uma estátua do ídolo, no histórico espaço do Pelourinho!!!
A responsável por tudo isso é a mídia que, mal larga um urubu, busca carniça nova, a fim de alimentar os delírios dos fanáticos.
E tome-lhe notícia o dia inteiro, atravessando a noite, nos canais 24 horas, reiniciando a lenga–lenga no dia seguinte, com exaustiva repetição de fatos conhecidos. Foi assim com o desastre do avião da Air France, está sendo o mesmo com a morte de Jackson.
O que aconteceu de exploração no desastre aéreo foi terrível. Imagino o quanto sofreram os familiares das vítimas, massacrados dia e noite com os noticiários da imprensa.
Michael Jackson foi um artista em permanente mutação. Mutação que se iniciou com o progressivo branqueamento da pele negra, a transformação visual, promovida pelas inúmeras cirurgias plásticas, até a mudança da voz de adulta para a de uma criança.
O cabelo "black power", dos tempos de infância, foi sendo pouco a pouco alisado a ponto de cair-lhe aos ombros. Sua voz transformou-se numa fala infantil, de criança abobalhada ou indefesa, que respondia em sussurros as perguntas dos entrevistadores que o escutavam.
Se teve talento, ganhou com essa condição, se praticou loucuras flagradas pelas lentes objetivas dos fotógrafos, problema dele. Se fez ou não filho, também só a ele competiu.
Se, por brincadeira ou infantilidade, tentou lançar um deles, o filho de mãe desconhecida, de uma janela de hotel, em Berlim, foi para impressionar a multidão. E nós com isso?
Será que não temos mais com que fazer? Ou Salvador, pelo simples fato de ter recebido sua visita para a realização de um clipe, no Pelourinho, tem que lhe conferir status de herói?
Em minha opinião, o astro norte-americano foi um dançarino excepcional, um cantor apreciável, compositor de mérito, mas um negro que não quis assumir sua condição racial, nem dela se orgulhava. Por isso, enfrentou tantas cirurgias, tantos tratamentos com dermatologistas e padeceu de dores atrozes.
Pobre e infeliz artista, que não aceitou a própria condição racial, usou estranhas máscaras que lhe ocultavam a face e parte do corpo, além de ter sido julgado por crime de pedofilia.
Creio que não se deseje homenagear, em área tão baiana, tão densamente sobrecarregada de história da nossa gente, com uma estátua de um adventício, somente porque ali dançou certo dia.
Simplesmente descabida essa idéia, como outras que, de vez em quando, circulam em nosso meio, sem que lógica alguma possa explicá-las. É o caso, por exemplo, do show no Farol, no dia Dois de julho, responsável pelas ruas vazias na tarde do desfile patriótico. Será que tudo nesta terra se reduz às músicas e às estrelas do axé?
Isso sem contar com o prejuízo, que vem sendo perpetrado contra aquele monumento, conforme expôs o professor Mário Mendonça de Oliveira, em recente depoimento a determinado órgão de imprensa da cidade.
Pessoalmente, já tenho me pronunciado contra esse abuso, mas o meu protesto de nada vale diante do dinheiro que se ganha com esses eventos.
Insisto em proclamar em alto e bom som, não é possível fechar os olhos a essa evidência e usar e abusar do Farol da Barra para a realização de milionários mega-shows.
Não vi com muita simpatia a inauguração da estátua de Zumbi na Praça da Sé. Fazer o quê?
Temos muitas figuras de negros baianos que honraram a Bahia, um deles, o notável abolicionista, Luiz Gama, que tem muito mais a ver conosco. É certa que não houve consulta popular para ser feita essa homenagem, mas o povo aplaudiu a iniciativa por ser Zumbi o chefe do Quilombo dos Palmares, embora de existência histórica, para alguns estudiosos, não comprovada, e símbolo da resistência negra. Menos mal, se a intenção foi essa mesmo.
Acompanho, neste instante, pela TV, o fantástico funeral do astro pop norte americano. Como declarou a atriz Elizabeth Taylor, sua grande amiga, foi armado "um verdadeiro circo".
Prestem bem atenção, o espetáculo vai continuar, rendendo muitos "dividendos", tal como aconteceu com Elvis Presley, em cuja residência, em Graceland, nos Estados Unidos, ainda hoje se fatura muito dinheiro.
Autora: Prof. Consuelo Pondé de Sena
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